sexta-feira, 25 de julho de 2008

Que as há… há! Eu é que não acredito!

Quem sabe onde fica a melhor bruxa? Basta perguntar a qualquer taxista e este aconselha logo a que fica mais longe.
E será que as bruxas conseguem saber o que vai em casa e na vida de cada um? Claro que sabem!
Quando uma pessoa pensa numa dessas idas, fala ao taxista fora do seu concelho para que na sua terra não o saibam, e põem-se a caminho.
Como a viagem é longa há tempo para conversar de tudo um pouco. Geralmente, e com a artimanha do taxista, começam por falar do porquinho da ida à bruxa. A senhora desbobina praticamente tudo e a determinada altura o condutor desculpa-se que vai com um pouco de sono e pára para tomar um café. Entra no estabelecimento, faz um telefonema para a bruxa, e conta-lhe tudo o que a senhora lhe disse: Tem problemas com o marido... a filha acabou o namoro... a burra adoeceu... Tem muitas ou poucas condições de pagar...
Claro que na consulta, a bruxa adivinha tudo o que se passa e também se a pessoa tem pouco ou muito dinheiro para pagar, basta a forma do aperto de mão do taxista à bruxa e as vezes que as mãos baixam e sobem ao cumprimentarem-se.
Pede então que dêem ao taxista umas peças interiores das pessoas em causa ou um pouco do excremento do animal doente, que numa próxima viagem este lhe entregará, para fazer o desterro. A cliente aqui paga serviços que podem nem ser feitos.
E quando o são, são normalmente de noite para locais ermos, junto a capelas ou junto ao mar em locais assustadores (que até parecem um inferno), mas aí a cliente vai junto.
Contaram-me que uma bruxa, de muita nomeada, foi chamada a determinada casa. Esta quando chegou foi recebida por um rapazito que lhe abriu a porta. O cumprimento que este teve foi um forte chapadão que o fez ficar com a cara a arder. Muito admirado ficou a olhar para ela. O inimigo entrou mesmo naquele lar!

Um bom taxista seria aquele que fosse capaz de mandar estas pessoas irem a pé mas a Fátima!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Uma boa acção… uma desilusão

Este caso aconteceu quando começavam a surgir os míscaros nos terrenos arenosos das matas junto à beira-mar.
De regresso a casa depois de umas centenas de quilómetros percorridos, meti-me pela Mata do Urso (matas nacionais) mais conhecido Pinhal de Leiria, porque o trajecto era mais curto. A certa altura alguém me manda parar. Um homem na casa dos seus setenta e tal anos, em estado de choque, a chorar porque tinha perdido a sua mulher.
Pensaram os dois sair de manhã cedo para apanhar míscaros e, ao chegarem à mata, cada um foi para seu lado em busca deles. Ainda não era bem tempo porque não havia mais ninguém por ali na sua apanha.
Muito aflito pediu-me que ajudasse a procurar a sua mulher, que tinha desaparecido há horas. Fiquei e procurei, mas sem êxito.
Como naquele local conseguia contactar com a Central através do CB, porque havia poucas interferências (QRM) e estava a uma distância de mais ou menos cinquenta quilómetros de casa, pude falar com a esposa que participou, por telefone, à GNR daquela área, o desaparecimento da mulherzinha.
Passado, talvez, uma hora chegaram ao local.
Puseram-se a procurar pelo meio daquela mata com o jipe, ligaram as sirenes para a mulher ouvir, chamavam através do megafone, mas nada. Regressavam, tentavam comunicar com o posto, com o rádio transmissor, para pedir reforços e para dar o ponto da situação, mas não tinham sinal de resposta. As ondas curtas não funcionavam naquele denso local. Tive que utilizar mais umas vezes o rádio CB, passando a Central as mensagens, através do telefone, para o posto e vice-versa.
Andámos naquilo desde a hora do almoço até quase ao pôr-do-sol.
Chegou um automobilista trazendo a notícia que tinha aparecido uma mulher desconhecida numa aldeia próxima. Os GNR’s pediram-me que fosse saber, e desloquei-me a toda a pressa à povoação. Verifiquei que tinha sido um falso alarme, um engano. Regressei desiludido, e o homem assim mais chorava pela esposa.
O fim do dia aproximava-se.
Quando estávamos para regressar, dadas as buscas por terminadas, surge um jovem casal com a senhora de automóvel, porque alguns minutos antes esta tinha conseguido encontrar uma das várias estradas de asfalto. Molhada, despenteada, assustada, aterrorizada, desfalecida, agarrou-se ao marido a chorar.
Próximo do Natal desse ano, o casal de idosos chegou a minha casa e presenteia-me com um cabrito vivo. As crianças fizeram uma festa ao verem o animal, brincavam com ele, mas este, porque era ainda um animal de leite, barregava pela mãe.
Como vai ser isto agora? O barulho era demasiado incomodativo e não tinha como calá-lo. Mandar matá-lo, não vou! Comê-lo, muito menos. Como o tirarei de casa, sendo este um amigo das crianças?
Peguei nele, dizendo que o iria devolver à mãe, porque estava cheio de fome e que queria mamar. Entreguei-o a um pastor vizinho que tinha um rebanho, pois saberia melhor criá-lo do que eu.

Uns anos depois circulava eu numa vila daquela zona dos míscaros e cometi uma pequena transgressão. Os GNR’s multaram-me.
Pedi-lhes que me desculpassem, que ignorassem a falta, que fechassem os olhos ao sucedido, que não escrevessem, contei-lhes muito resumidamente o acontecimento na Mata do Urso, o serviço que lhes disponibilizei poucos anos antes, mas a resposta foi esta:
- Você não fez mais que a sua obrigação!

Mais tarde, vim a pagar uma multa de vinte e cinco euros.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A faca de ponta - texto integral

(Para quem ainda não leu o texto integral, resolvi recolocá-lo.)

Dias antes levara uma surra do pai, porque tinha deixado assaltar a taberna.
Naquele dia, António ausentara-se do local de trabalho para ir ver uma rede que montara nessa manhã na Vala do Sequeiro, junto à linha do comboio, na expectativa de apanhar alguma enguia ou papa-cavalo. Uma das suas freguesas do mata-bicho, que estava a banhos, aproveitou a sua ausência, e, tendo espreitado onde ele tinha guardado a chave da taberna, foi-lhe à gaveta do dinheiro.
Pelas festas dos Santos Populares e durante toda a época balnear, o ti Joaquim mantinha em funcionamento uma das suas tabernas sazonais nas termas, aquela que lhe dava mais lucro.
O António, o seu filho mais novo fora o escolhido para a sua exploração, encargo que gostava muito de ter porque passava grande parte do tempo a ouvir no rádio aquilo que mais gostava – as canções daquele tempo. Ouvia e cantava em simultâneo as cantigas. Depois passava toda a letra para folhas de papel pardo.
Devido à sua voz bem timbrada, até aspirou um dia a ser cantor profissional. Tony chegou mesmo a ser vocalista do Sol Dourado e foi a uma audição à Emissora Nacional.
Agora, tinha-se esquecido de um papel em cima da mesa da cozinha da residência familiar. A ti Maria, curiosa, pegou no papel, abriu-o e leu:

“Eu hei-de morrer de um tiro,
Ou duma faca de ponta.
Morro hoje ou amanhã,
Com isso já faço conta”…

Ai!...
Ia desmaiando após lidas aquelas palavras.
Com as forças quebradas, aflita, correu a chamar pelo homem que, nesse dia andava a cultivar o serrado atrás da casa. E entregando-lhe o papel exclamou:
- Olha o que tu fizeste ao nosso Tóino! Vai lá depressa ver o que é que se passa com ele! A esta hora atirou-se para debaixo do comboio ou para dentro de alguma vala!
O ti Joaquim pegou na sua bicicleta e foi a toda a pressa até à taberna.
O Tóino dormia a sesta bem descansado na sua improvisada cama de bunho seco, porque nessa tarde não havia muito que fazer.
Afinal, era apenas o refrão duma cantiga!

Os tempos mudaram, mas hoje a cantiga é a mesma.

Estamos tramados!
Temos a faca encostada à barriga…
Eu, pelo menos, tenho-a sempre apontada a mim, vinda de várias direcções.
Estou sujeito a assaltos, mas o maior assalto vem daqueles que me deviam proteger! E então digo:

Eu hei-de morrer um dia
Porque imortal não sou
Portanto ficai sabendo
Ao lerem o meu testamento
Que foi o governo que me matou!

___________________
Adenda: Prémio!

Award, created by the Uruguayan
Obrigado ao Daniel do blog Com Imagens
que o atribuiu ao Cabo das Tormentas.

Aproveito para oferecer aos meus comentadores habituais, este "anjinho da guarda"dos blogues.
Aqui ficam as regras (que quebrei):
1. Quem receber o prémio, tem de escolher cinco blogues que considere criativos, interessantes e que contribuam para uma melhor blogosfera e que goste, claro !
2. Deve incluir no post, o nome dos cinco bloggers, nome dos respectivos blogues e respectivos links dos blogues nomeados.
3. Quem o recebe deve mostrar o prémio bem como o nome do autor e link de quem lho deu.

terça-feira, 1 de julho de 2008

A ti Maria no hospital


Ao terceiro dia assentiu finalmente em ir ao médico porque a dor teimava em continuar.
Com a falta do médico de família e o Centro de Saúde a funcionar a meio tempo, a única solução foi recorrer ao Hospital Distrital.
Quando chegou ficou pasmada com tanta gente.
Enquanto esperava na sala, entrou uma senhora que, para admiração de todos, dizia: “Ai que eu morro! Estou muito mal! Acudam-me!? ninguém me acode?”
Era a sua doença psíquica, segundo disse alguém que a conhecia, que fazia com que não estivesse calada.
– “Oh senhor acuda-me”, dirigiu-se ela a um paciente – “eu tenho o sangue infectado!”
– Mas…eu não sou médico, como posso eu acudir-lhe?
Outros respondiam com graçolas de vária ordem: “Espere pela sua vez que ainda agora chegou! Vá mas é trabalhar que ainda é nova, que lhe fazia bem!”
Porém alguém disse, que esta mulher com quatro filhos, quando era nova foi maltratada pelo marido. E terá o seu quê de verdade, porque entretanto ele chega e ordena-lhe com maus modos que se sentasse e ficasse calada enquanto ele ia almoçar. Não demorou mais umas chalaças
– “Vá comer, vá, porque senão quem morre é você.”
Eu achava aquilo ridículo. A ti Maria, sentadinha no seu lugar, porque estava um pouco distante e com a sua falta de ouvido não se apercebeu do que estava a acontecer.
Passados alguns minutos, chamam por Maria Augusta para a triagem.
A mulher, que andava de um lado para o outro entrou imediatamente.
Pensei: “Há qualquer coisa de errado! Serão duas pessoas com o mesmo nome?!”
Entrei com a ti Maria, que devido à sua idade não podia entrar sozinha, e perguntei por quem tinham chamado. Fora naturalmente pela ti Maria, visto ter chegado primeiro.
A sra. enfermeira ordenou então à outra que se levantasse e que aguardasse mais um pouco. Aqui a coisa começa a ficar complicada, pois ela não queria levantar-se, alegando que estava muito mal, a morrer. A ti Maria como agora estava lado a lado com a outra (im)paciente, ouviu-a e disse-lhe:
– “Se está mal vá ao médico!”
– “Ai mas eu estou cheia de comichão!”
– “Se tem comichão vá tomar banho ao mar que isso passa!”
– “Até na sola dos pés!”
– “E …naquele sítio que eu cá sei também lhe morde?”
Fiquei estupefacto com aqueles comentários diante da senhora enfermeira.
Então, a outra lá acabou por ceder a cadeira. Após a triagem, foi dada à ti Maria uma pulseira verde, voltando esta novamente para a sala de espera até ser chamada para a consulta.
Uma simpática médica brasileira chamou-a mais cedo, pela sua idade avançada e porque viu que não era “cliente habitual” do hospital.
Esteve impaciente durante oito horas, tempo que durou a fazer vários exames médicos e tratamentos, até que lhe deram alta.
A senhora da comichão entretanto saíra mais cedo, medicada, voltando assim a sala de espera à normalidade.